Nos dias seguintes, serão entregues, nesta ordem, o Prêmio Nobel da Física, da Química, da Paz, da Economia e da Literatura. Não entro no mérito de julgar o nível da pesquisa, do trabalho ou do ativismo social das pessoas nominadas ou laureadas, pois só você já ser cogitado a ganhar um destes prêmios já faz do trabalho de sua vida algo muito mais relevante.
No entanto, comecei a pensar o que aconteceria se um brasileiro ganhasse um Prêmio Nobel. Mais ainda, comecei a pensar em quantas pessoas, diretamente ou não, são afetadas por um prêmio destes, isto é, quantas pessoas (contando com o laureado) “ganham” com um prêmio Nobel vindo para o Brasil?
Pense, por exemplo, no brasileiro mais aclamado para um Prêmio Nobel hoje, Miguel Nicolelis. Se ele ganhasse um Prêmio Nobel amanhã, quantas pessoas se beneficiariam dele?
Pensemos, inicialmente, na trajetória dele. Ele estudou num colégio particular, foi para a USP fazer Medicina, e lá fez sua graduação, mestrado e doutorado. De lá, ele acabou indo pesquisar fora do país, e hoje lidera o time de pesquisa de Neurociência na Universidade Duke. No entanto, ele já fundou um Instituto de Neurociência em Natal-RN, e tem toda uma história sobre a Copa do Mundo de 2014.
Se ele ganhar, o país ganha, e pode “se gabar” com os demais a respeito disso. O governo ganha moral com a pesquisa dele? Bem pouco, pois o que ele produz já não está no Brasil há algum tempo. No entanto, isso trará uma pressão muito sobre o governo para investir nas carreiras científicas, pois o único pesquisador brasileiro com um Nobel não pesquisa aqui. Duke, no entanto, ganhará muito mais respeito com um pesquisador laureado liderando as pesquisas da área.
Todos os lugares onde ele estudou ganham, e também podem “se gabar” bastante com isso, pois será uma competição sem adversários. O colégio, sendo particular, explodirá de pessoas se inscrevendo para estudar lá, desde o maternal até o cursinho pré-vestibular. A USP, considerada a maior universidade do país por vários rankings, certamente se aproveitará bastante disso no próximo vestibular, e muito provavelmente terá insumos para investir na área de pesquisa do Nicolelis, também, se já não está fazendo.
Tabloides e revistas científicas (ou nem tanto) investirão pesado em notícias sobre ele. Farão matérias de revista inteira, falarão sobre o futuro da Neurociência no país, falarão sobre a Copa do Mundo, falarão de tudo que ele já falou e caçarão tudo que puderem sobre a vida dele. Por pelo menos uns dois meses, você verá Jornal Nacional, Fantástico, Globo Repórter, G1, Terra e todo tipo de divulgação fazendo (ou copiando) uma matéria sobre ele. Ele será levado ao status de celebridade da noite para o dia, mas isso não é necessariamente vantajoso. Comecei a ver no Marcos Pontes (iteano, por sinal), por exemplo, que ter sido Astronauta foi uma barra muito alta que ele ultrapassou, e tudo que ele fez a partir do seu retorno foi menos, talvez até ignorado pelo resto do Brasil e do mundo.
O resto da sociedade científica brasileira só ganhará se este Nobel fizer a pressão positiva na Ciência, desmotivada há anos. Um pesquisador na Medicina ganhará muita moral, mas e as outras áreas de pesquisa? É bem possível que haja um boom de inscritos em áreas Biológicas, mas e Física e Química, que nunca tiveram um Nobel, receberão mais inscritos? Quando prestei vestibular para Física na FUVEST, a nota de corte do curso estava entre as mais baixas.
Penso também na Olimpíada de Neurociências, a Brain Bee (já tenho dados e alguns insumos para escrever sobre ela, mas falta ainda um pouco de tempo). Se ela se aproveitar da situação junto aos tabloides, ela irá ganhar um número recorde de inscritos (duvido que ela ganhe da OBMEP e seus mais de 20 milhões de inscritos todo ano, mas pode se aproveitar dos olímpicos da OBB e da OBQ), podendo até ter a presença da Presidente em sua abertura/premiação, assim como acontece com a Olimpíada do Conhecimento/OBMEP. Mas será que ela terá mais moral (não mais inscritos, mais moral) que as olimpíadas tradicionais? A área certamente terá um boom de pesquisadores em feiras de Ciências como a FEBRACE, mas será que ela leva os olímpicos para ela também? Será que um olímpico de uma área próxima irá mesmo ganhar indo para a Brain Bee?
Enfim, estes são os questionamentos que, em algum momento, aparecerão pouco tempo depois do anúncio do prêmio. Muitos desafios serão levados ao governo (se o laureado não pesquisa aqui, a pesquisa aqui não anda tão bem. Será que agora é hora de investir na Ciência, e trazer outro Nobel – e sua pesquisa – para cá?), muitos pesquisadores verão uma nova barra surgindo (tudo bem se sua pesquisa ganhar um prêmio Nobel, mas será que você consegue superar o primeiro deles?), muitas universidades verão uma barra semelhante surgindo para elas (será que a pesquisa daqui tem moral para trazer um prêmio Nobel? Será que o maior número de inscritos no meu vestibular, que agora buscam ser cientistas, será bem recebido e terá suas necessidades supridas?), e muita coisa nova – boa ou ruim – acontecerá.
Se não for neste ano, ainda aposto num futuro não muito distante no qual um brasileiro ganhará um Nobel. Muita gente poderá ver vantajem nisso, mas este prêmio trará muita pressão. Será na forma como esta pressão for guiada em termos de desenvolvimento que você de fato verá que o país todo ganhou com isso ou não. A carreira de cientista está bem defasada no país, e as fugas de cérebros para universidades em países que consigam apostar mais alto já não é mais alerta, é sintoma.